capítulo cinco: a experiência musical


pesquisa de música
as músicas possuem uma importância crucial na socialidade indígena;
a cultura musical dos povos indígenas é muito rica devido à diversidade de funções que a música tem em suas práticas;
essa riqueza também se deve ao seu gosto por cantar;
observe com atenção a divisão em roteiro e pesquisa no trabalho do professor aldayso;
dessa forma, elabore um roteiro e desenvolva uma pesquisa das músicas existentes em sua comunidade conforme os temas das letras;
se houverem outros professores ou pesquisadores da cultura, chame-os para uma pesquisa coletiva;




cantos indígenas
com relação às músicas tradicionais do povo yawanawá, as cantorias são bem diversas e com as letras e sons diferentes; nossos avós têm ensinado nossos pais e estes nos ensinaram conforme aprenderam com seus pais; as músicas e os sons das vozes nunca foram alterados; quem se interessa em cantar nossas músicas, precisa ter inspiração e estar de bem com o espírito; as músicas são ensinadas desde gerações passadas até os dias de hoje, em uma roa no meio de um grande terreiro; as crianças, os adolescentes e os mais jovens da aldeia têm de se esforçar para aprender; os mais velhos são responsáveis por corrigir se realmente o som da voz está saindo certo; as músicas são repetidas diversas vezes pelos cantores, até o mais jovens aprenderem;
tipos de músicas:
músicas para dançar com muita alegria
músicas para pisar nos pés das mulheres e do homens
músicas para falar mal as mulheres e homens
música para dançar lentamente
música para chamar o dia
música para curar doentes
música para tirar o espírito de pessoas vivas e matá-lo
música para cantar quando estiver com saudade de uma pessoa querida
músicas que fala sobre animais das florestas
música da água e do fogo

música para dançar com muita alegria: quando cantamos esse tipo de música, é porque estamos dispostos a dançar, pular, correr, cantar em voz alta e gritar; coloca-se à disposição toda sua energia e espírito;
música para pisar nos pés das mulheres: enquanto todos cantam juntos, dividem-se em fila, de forma horizontal; as mulheres de um lado e os homens de outro lado, ambos segurados nos braços dos outros companheiros; os homens vão andando em direção às mulheres e voltam para trás cantando; as mulheres vão andando em direção aos homens e, chegando bem perto, pisam nos pés dos homens; os homens, por sua vez, vão andando em direção às mulheres e acabam insultando as mulheres e tocando nas partes do sexo delas;
música para falar mal das mulheres e dos homens: essas músicas os homens costumam cantar quando estão dançando e, por sua vez, as letras das músicas falam das partes do sexo das mulheres; as mulheres, ao ouvir a música, respondem de uma forma maliciosa aos homens; ambos ficam trocando ofensas por meio da música;
música para dançar lentamente: após um grande cansaço na festa, inicia-se uma música lenta para tranqüilizar o espírito;
música para chamar o dia: os mais velhos da aldeia acordam mais ou menos às duas horas da madrugada e começam a cantar diversas músicas, entre elas as músicas que chamam o dia; as letras e passagens das músicas são exatamente chamando a claridade do dia, o sol;
música para curar doentes: a música especial e sagrada para curar qualquer doente é guardada a sete chaves nos sentimentos dos nossos pajés ou dos nossos conhecedores; possessos de sabedoria e conhecimento, os nossos pajés têm o poder de curar quaisquer enfermidades sofridas pelo nosso povo; durante a noite o pajé chega pertinho do doente com um vaso de barro chamado xumu, cheio de caiçuma de macaxeira, após ingerir um copo de huni; o velho pajé interroga o doente sobre o que ele tem ou vem sonhando todas as noites e como ele está sentindo; o pajé, ao ouvir e examinar as palavras do doente, começa a cantar a música conforme o sonhos do doente e o que ele está sentindo; são letras que detalham os sonhos do doente e como iniciou a doença; o espírito da sabedoria empossa e se comunica com o pajé; suas palavras são de destruir a enfermidade e fazer voltar a saúde do doente por meio da bebida, feita de caiçuma de macaxeira colocada em frente aos lábios do pajé, durante a cantoria da noite toda; o doente, após a reza do pajé com a caiçuma, precisa beber para ser curado da doença; essas músicas não podem nem devem ser ensinadas para ninguém; os trabalhos são feitos durante a noite, em sigilo absoluto;
música para tirar o espírito de pessoas vivas e matá-lo: assim como existe o bem, também existe o mal; considerando os dois lados que rodeiam o homem, dentro da cultura yawanawá existem, na música yawanawá, cantorias que tem o poder de tirar e afastar o espírito de uma pessoa viva; o processo é quando o pajé não tem boas relações com alguém da aldeia, ou quando alguém fez mal ao pajé; o mesmo decide eliminá-lo em questão de vinte e quatro horas; o pajé vai no meio da mata, de preferência em um lugar afastado e isolado; junto com ele, leva objetos que pertencem a seu inimigo, como roupa, cabelo, saliva, lugar onde o inimigo faz xixi e até mesmo em cima da marca de seus pés; logo à noite, depois de tomar o cipó (...) o pajé começa a cantar uma música especial chorando com um som de voz que perdeu alguém muito amado; o ritmo do choro tem de ser bastante triste e perfeito; após isso, é só aguardar o resultado e, em questão de um dia, a pessoa morre;
música para cantar quando estiver com saudade de uma pessoa querida: essas músicas são expressas nos momentos em que a pessoa está com muitas saudades de uma pessoa que foi embora para outro lugar ou faleceu; as músicas retratam os momentos em que estiveram juntos; a música é boa para se aprender e até de ser ensinada;
músicas que falam dos animais: durante a festa, existem as músicas que falam dos animais da floresta, seu movimento, sua convivência, suas características, suas brincadeiras, sua voz, seus gritos e seus passos; quando cantam essas músicas, geralmente a festa se transforma, todos ganham força e muita vontade de cantar e dançar; a referência está nos animais como: a garça, o veado, a onça, a queixada, a paca, o macaco preto, guariba, sôim, anta, macaco-prego, cutia e porquinho; a música traz mais dinamismo a quem está dançando;
música da água e do fogo: quando a festa está bem animada, e todos estão com bastante calor, inicia-se a música chamando a água; alguém o grupo pega uma boa quantidade de água e sai; em seguida, quem está dançando começa a chamar o fogo; as mulheres se juntam, acendem montões de palha e saem levando perto de quem está dançando; quando os homens insultam e tentam apagar o fogo das mulheres, as mesmas começam a queimá-los em suas canelas;


aldayso vinnya yawanawá
fonte: índios no acre, história e organização: cpi/opiac: 2002



depois de pesquisar a música a partir de seu conteúdo, pesquise a riqueza das formas musicais indígenas;
observe como o canto abaixo busca copiar o movimento da mão fazendo o colar;
busque em alguma prática cultural da sua comunidade músicas ou outras expressões (tecelagem, pinturas corporais, trançado, cestaria, instrumento musical) que copiam movimentos (práticas culturais, gritos ou passos de animais, danças, movimentos da natureza);



eu escutava de longe o que a mulher tava cantando
eu tô cantando na fala do passarinho
eu escutava o passarinho que cantava do outro lado do igarapé
tão fazendo colar, passando na mão, depois bota o fio
quando tá pronto o colar, bota no pescoço
aí todos ficam animados, alegres
arara amarela tá sentada no olho do pau
a gente vê que é amarela mesmo como o sol
o urubu tá dizendo:
eu vou cantar bem perto da mulher
a mulher tá vendo o urubu


do canto 'adjaba fala que os seres humanos estão cantando a cantiga dele'
fonte: labiak, araci; frutos do céu, frutos da terra



quem pegou minha tiara...
eu não sei quem pegou a tua tiara
quem traz o meu colar, meu colar de continhas pretas
eu não sei quem traz o teu colar de continhas pretas
onde está o meu colar de caroço plantado, quero meu colar pra usar atravessado no peito, você esconde muito, por que você pegou o meu colar... tô reparando a cobra pintada da malha grande que tá andando...


fonte: labiak, araci; frutos do céu, frutos da terra


pesquisa
o canto recolhido pela antropóloga araci labiak entre os kanamari do vale do javarí está formulado à maneira de perguntas e respostas;
faça uma pesquisa com cantos que tenham essa estrutura ou uma forma semelhante;


pesquisa
desenvolva uma pesquisa da aprendizagem da música na sua comunidade;
algumas questões que podem entrar no roteiro: quem aprende música, de que forma se aprende música, o que está envolvido no processo de aprendizagem da música etc;
destaque e comente as funções sociais (cura, alegria, agradecimento, força, batismo, morte etc) da música na comunidade;
sugestão: explique em metodologia 'como' você realizou a pesquisa;



restrições 3
as iniciações
como vimos, todo conhecimento indígena passa por alguma restrição;
mulheres e homens devem se preparar para receber os saberes ancestrais de seu povo;
no entanto, existem nessas sociedades pessoas que se dedicam a receber conhecimentos reservados àqueles que passam pelos processos de iniciação;
os processos de iniciação definem suas próprias formas de aprendizagem;
são jejuns, reclusões, visões, doenças/cura, sonhos etc;
são grandes as dificuldades para se atravessar o processo de iniciação;


escreva sobre o papel e a importância dos pajés para os povo indígenas e para sua comunidade e sobre o processo de formação de pajés em sua comunidade;




atividades
releia atentamente as composições de carlos drummond de andrade e zé ramalho;
compare com algumas letras de música indígenas;



no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra


nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas
nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra



carlos drummond de andrade


beira- mar
composição: zé ramalho

Eu entendo a noite como um oceano
Que banha de sombras o mundo de sol
A aurora que luta por um arrebol
De cores vibrantes e ar soberano
Um olho que mira nunca o engano
Durante o instante que vou contemplar

Além, muito além onde quero chegar
Caindo a noite me lanço no mundo
Além do limite do vale profundo
Que sempre começa na beira do mar
É na beira do mar

Ói, por dentro das águas há quadros e sonhos
E coisas que sonham o mundo dos vivos
Há peixes milagrosos, insetos nocivos
Paisagens abertas, desertos medonhos
Léguas cansativas, caminhos tristonhos
Que fazem o homem se desenganar
Há peixes que lutam para se salvar
Daqueles que caçam em mar revoltoso
E outros que devoram com gênio assombroso
As vidas que caem na beira do mar
É na beira do mar
E até que a morte eu sinta chegando
Prossigo cantando, beijando o espaço
Além do cabelo que desembaraço
Invoco as águas a vir inundando
Pessoas e coisas que vão se arrastando
Do meu pensamento já podem lavar
Ah! no peixe de asas eu quero voar
Sair do oceano de tez poluída
Cantar um galope fechando a ferida
Que só cicatriza na beira do mar
É na beira do mar